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Paulinho Paiakan, Rio Vermelho

Relembrando Paulinho Bepkororoti Paiakan (6-24-20)

Paulinho Paiakan, Rio VermelhoRelembrando Paulinho Bepkororoti Paiakan

Por Janet Chernela

24 June 2020

(Tradução de Carmen Filgueiras. Artigo original em Inglês: https://salsa-tipiti.org/covid-19/remembering-paulinho-bepkororoti-paiakan-6-19-20/)

Um dos mais conhecidos defensores dos direitos indígenas e da floresta amazônica sucumbiu ao COVID-19 na quarta-feira, 17 de junho de 2020, no hospital municipal de Redenção, Pará, Brasil. Janet Chernela (Universidade de Maryland), que conhece Paulinho Paiakan há mais de 30 anos, compartilha essa lembrança.

Paulinho Paiakan Rio Vermelho

A última vez que falei com Paiakan foi na sua casa, em Rio Vermelho, onde ele morou refugiado de uma tempestade ameaçadora de oponentes, incluindo a mídia, o sistema legal brasileiro e até membros da família. Rio Vermelho, no território Kayapó, era um local bonito, mas isolado; eu recordo de duas malocas de palha usadas como sala e dormitório, e uma cozinha ao ar livre coberta por uma lona de plástico azul brilhante. Apesar da distância de amigos e familiares, ele parecia estar resolutamente calmo.

Paiakan me cumprimentou com a costumeira saudação de lamento que se usa ao recordar um ente querido falecido. Com a mão em meu obro e sua cabeça ao lado da minha, ele chorou e falou das suas lembranças do nosso amigo em comum, Darrell Posey, que morrera alguns anos antes. Então, ele apontou para a área da cozinha e me convidou a comer.

Paulinho Paiakan in Miami and Washington D.C.

Paiakan e eu nos encontramos anteriormente quando eu o convidei, junto com Darrel Posey e o primo de Paiakan, Kube-I, para Flórida, para participarem de um simpósio sobre gestão inteligente das florestas tropicais (“Wise Magagement of Tropical Forests”), organizado na Florida International University pela universidade e pela Florida Rainforest Alliance. Os três atuavam como um trio de embaixadores itinerantes de assuntos de conhecimento ambiental indígena e propriedade, falando em escolas, museus, conferências e outros locais públicos perto de Belém do Pará, no norte do Brasil. Eram apresentações multivocais, combinando as diversas vozes e perspectivas dos donos do conhecimento Kayapó e a do antropólogo-outro tentando entender aquele saber. A essa altura, janeiro de 1988, o projeto tinha vários anos e passava por certo grau de institucionalização no Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém, onde Posey ocupava uma posição como pesquisador.

Paiakan era fluente em várias línguas e discursos. A aldeia onde ele passou sua juventude era acessível por estrada e servia como sítio para equipes de antropólogos de campo. Terry Turner e Joan Bamberger trabalharam ali, na década de 60. Darrell Posey, Anthony Anderson e outros trabalharam ali, nos anos 80. Paiakan também passou muitos anos longe da aldeia em companhia de equipes técnicas das rodovias e oficiais do governo. Em todos esses papéis, ele estava elaborando uma habilidade na qual se destacou: observação participante. Paiakan desenvolveu uma compreensão impressionante dos ocidentais e dos funcionamentos das sociedades ocidentais. Como resultado, ele era um orador convincente, competente na troca de código de um idioma para outro e capaz de alcançar uma ampla variedade de audiências.

Quando Paiakan desembarcou do avião no Aeroporto Internacional de Miami, era um dia frio de janeiro, e nós, imediatamente, fomos a uma das várias lojas de Miami para comprarmos roupas de inverno. Paiakan aparece com aquelas roupas em suas fotos. As escolhas dele para ternos e gravatas demonstram sua perspicácia no papel indexical e performático da ornamentação do corpo.

Eu não acho que Paiakan e Kube-I esperavam que essa conferência seria muito diferente da experiência que tiveram em outros encontros científicos. Suas apresentações eram centradas em torno de tópicos que já tinham discutido antes, tais como classificações etnobotânicas e processos bióticos. Entretanto, durante o tempo para as perguntas, eles descobriram que algumas pessoas da audiência possuíam informação detalhada sobre um projeto de hidrelétrica, planejada para o Rio Xingu, que afetaria as aldeias Kayapó. Apesar das tentativas de obter informação sobre esse grande projeto no território deles, sabiam pouco sobre. Eles enfatizaram que nunca foram consultados e, certamente, não lhes foi pedido consentimento.

A conferência teve boa participação. Entre os presentes, havia membros de organizações ambientais não governamentais (ONGs) de Washington, incluindo o Conselho Nacional de Defesa de Recursos (National Resources Defense Council), o Fundo de Defesa do Meio Ambiente (Environmental Defense Fund), a Federação Nacional da Vida Selvagem (National Wildlife Federation) e o Centro de Informações Bancárias (Bank Information Center), que eram parte de um esforço internacional para interromper o financiamento do Banco Mundial para projetos imensos e destrutivos para o meio ambiente. Apenas alguns anos antes, por exemplo, o Banco Mundial tinha financiado um projeto desastroso que levou centenas de milhares de pessoas do sul do Brasil para a Amazônia ocidental, causando vários desmatamentos. Os ambientalistas estavam cientes de uma petição do Brasil para garantir um empréstimo do Banco Mundial ao setor de energia do Brasil para uma série de barragens no Rio Xingu. Se a proposta de empréstimo para a companhia elétrica estatal Electobras fosse aprovada, o projeto inundaria, aproximadamente, 7.6 milhões de hectares, impactando milhares de aldeias indígenas (Chernela, 1988). O projeto, que exemplificou as práticas destrutivas de empréstimos para grandes setores sem medidas de proteção social e ambiental adequadas, afetaria as comunidades Kayapó.

Ainda que Paiakan tenha várias vezes feito perguntas sobre as barragens em Brasília, não teve condições de verificar rumores ou conhecer especificidades. Como ele afirmou na conferência e depois à imprensa, Paiakan sentiu que suas palavras e questionamentos “não eram ouvidos”. Falta de consulta às comunidades que seriam afetadas pelo projeto constituía uma violação das próprias regulações do Banco Mundial e providenciou uma estratégica abertura para a crítica – não apenas das ONGs, também das nações que doavam ao Banco. A principal entre elas é os Estados Unidos.

Reconhecendo a importância do testemunho em primeira mão das “partes interessadas” (membros da comunidade a ser afetada pelo projeto), os washingtonianos convidaram Paiakan e Kube-I a voltar com eles a Washington para encontrar com a equipe do Banco Mundial e os representantes dos Estados Unidos.

Em fevereiro de 1988, eu acompanhei a delegação de Washington como convidada e tradutora para a visita que lançou a cadeia de eventos que culminaram em acusações federais contra Paiakan e Kube-I e em processos jurídicos no Brasil, mais tarde, naquele ano.

Em Washington, a delegação Kayapó encontrou membros do Comitê de Apropriações do Congresso dos E.U.A, do Departamento de Tesouro, do Movimento Indígena Americano, do Congresso Indígena Norte Americano, do Survival Internacional e quatro Diretores Executivos do Banco Mundial. Ken Taylor, que era então o chefe da filial do Survival Internacional em Washington, mostrou, no mapa, os locais projetados da barragem. Essa foi a primeira vez que algum Kayapó testemunhou as áreas específicas a serem inundadas e, por inferência, as aldeias indígenas a serem afetadas. Paiakan fez uma cópia imediatamente. Esse foi o mapa que ele traria, e usou, para ilustrar suas apresentações com funcionários.

Paiakan estabeleceu uma agenda ocupada de encontros. Ele realizou conferências públicas em que apresentou o caso contra as barragens em termos convincentes. Com extraordinária postura e presença de espírito, ele era um orador eloquente e persuasivo. A mídia acompanhou de perto os argumentos dele e os reproduziu na impressa. Para as ONGs e outros, esse era precisamente o tipo de testemunho necessário para tornar claro que o Banco estava violando as próprias diretrizes.

Em fevereiro de 1988, quando Paiakan chegou em Washington D.C., a desaprovação doméstica e internacional do Banco Mundial estava em ascensão. No final de 1986, Alemanha, Austrália, Suécia e Países Baixos aconselharam seus Diretores Executivos do Banco Mundial a “pressionar por reformas ambientais” (Rich 1994:137). Greenpeace, Earth First, e Rainforest Action Network desenrolaram uma imensa faixa ao longo da frente de um prédio do Banco em que se lia “O Banco Mundial destrói florestas tropicais” (1994:138).

Os senadores americanos que encontraram com Paiakan tinham suas próprias queixas contra o Banco. Em 1987, houve mais de 20 audiências no Congresso sobre o assunto, e uma audiência especial sobre o Banco foi realizada, no Senado, em maio de 1987 (1994:138).

Paiakan se dirigiu ao Comitê de Apropriações do Senado e ao Departamento do Tesouro dos E.U.A., testemunhando diante de cada um que nenhum Kayapó havia sido consultado ou informado sobre a barragem ou suas possíveis consequências para os moradores. Ele impressionou a todos com quem encontrou e um grupo crescente de apoiadores acompanhou suas reuniões.

Encontros com os Diretores Executivos do Banco foram especialmente surpreendentes. Normalmente, propostas de projetos chegando nesse estágio final seriam aprovadas com o mínimo de escrutínio. Em conversas com Paiakan e Kube-I, entretanto, os Diretores Executivos expressaram preocupação com o processo falho. Apenas a equipe técnica brasileira mantinha-se não convencida. Os Diretores Executivos das nações de maiores doadores do Banco Mundial – Estados Unidos, Grã-Bretanha, Países Baixos e Alemanha Ocidental – assumiram compromissos com os líderes de que votariam contra a proposta. O projeto foi suspenso indefinidamente.

A visita feita pelos Kayapó a Washington foi um sucesso sem precedentes. Nunca antes aconteceu que representantes de uma população marginalizada teve sucesso em intervir em um processo amplo que se esperava transcorrer sem problemas. Foi comentado em termos de “Davi e Golias”.

Paulinho Paiakan Washington

As reuniões de Paiakan com os executivos do Banco Mundial, a imprensa, e figuras chave do governo, mudaram para sempre o modo como o Banco abordou consultas. Estabeleceu, também, novas referências para estratégias de resistência indígena nos mais altos níveis da negociação internacional.

Paiakan passou por outros feitos e muitas decepções após essas vitórias, mas essa parte de sua vida permanece imaculada. É apenas uma parte de uma vida grande e complexa. Não vamos reduzi-la.

Janet Chernela ([email protected])

Referências

Chernela, Janet (1988) “Potential Impacts of a Proposed Amazon Hydroelectric Project,” Cultural Survival Quarterly, 12(2)20-24.

Posey, Darrell Addison (2002) Kayapó Ethnoecology and Culture (Studies in Environmental Anthropology, ed. Kristina Plenderleith). London: Routledge.

Rich, Bruce (1994) Mortgaging the Earth: The World Bank, Environmental Impoverishment, and the Crisis of Development. Washington D.C.: Island Press.