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Morte na floresta Vilaça

MORTE NA FLORESTA, by Aparecida Vilaça (2020)

Morte na floresta VilaçaMorte na Floresta: Um ensaio seminal sobre o contágio dos povos indígenas no Brasil

By Aparecida Vilaça

Todavia (Coleção Ensaios sobre a pandemia), 2020

Morte na Floresta: Um ensaio seminal sobre o contágio dos povos indígenas no Brasil: Em maio de 2020, a Covid-19 já havia chegado às aldeias de mais de setenta povos indígenas de diferentes partes do Brasil. Pela primeira vez em cinco séculos, nós, os invasores de seus territórios, experimentamos os mesmos sintomas, o desespero e a fragilidade diante de uma doença desconhecida. Invadidos e desprotegidos, os indígenas sofrem as consequências tanto do desmonte do sistema de saúde público, como do projeto de extermínio das culturas indígenas. As vítimas preferenciais, os mais velhos, são os guardiães da memória ancestral. Essas mortes equivalem a incêndios em nossas bibliotecas, com a diferença de que os livros não poderão ser repostos.

Trecho do livro

Pela primeira vez em cinco séculos repletos de surtos epidêmicos decorrentes de vírus, bactérias e protozoários exógenos levados aos povos indígenas, nós, os invasores de seus territórios originários, experimentamos simultaneamente os mesmos sintomas, desespero e fragilidade diante de uma doença desconhecida, para a qual não temos anticorpos ou remédios. Nesse sentido, “somos todos indígenas”, como disse recentemente o antropólogo Bruce Albert, pois sentimos na pele o sofrimento que impusemos a eles. O projeto de extermínio das culturas indígenas, proposto e executado pela equipe que rege o Brasil desde janeiro de 2019, volta-se agora igualmente contra nós, que vemos, com olhos arregalados, e trancados em nossas casas, as nossas vidas em risco, nas mãos de governantes incompetentes. As palavras do xamã e líder yanomami Davi Kopenawa, proferidas muito antes da pandemia, à luz de sua preocupação com a destruição ambiental, tentam explicar aos ignorantes que o desastre por vir afetará igualmente a todos: Se o céu escurecer e a terra ficar toda alagada, eles [os brancos] não vão mais poder ficar empoleirados em seus prédios nem correr no peito do céu sentados em seus aviões! Se Omoari, o ser do tempo seco se instalar de vez perto deles, eles só terão fios de água para beber e assim vão morrer de sede. É bem possível que isso aconteça mesmo.1 Mais atônitos ficamos ao ver que, em meio ao caos da pandemia, o projeto de destruição da Amazônia e seus povos autóctones se acelera, com os convites à grilagem, mineração ilegal e invasões de todos os tipos, acompanhados do desmonte dos órgãos de fiscalização ambientais e indigenistas, produzindo mais contaminação e doenças. O novo vírus, ao invés de obstáculo, tornou-se um trampolim para as ações criminosas, invisibilizando-as em meio às notícias sobre a doença. Sabe-se que, sem a garantia de integridade de seus territórios, os indígenas não podem sobreviver, com ou sem vírus. O agravante agora é que, com as suas terras invadidas, não têm mais lugares seguros para fugir ao buscar proteção contra a doença, pois ela lhes é trazida diretamente pelos invasores.

Sobre a autora

Aparecida Vilaça é antropóloga e professora no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autora, entre outros, de PALETÓ E EU (Todavia, 2018).

Disponivel em: https://todavialivros.com.br/livros/morte-na-floresta

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